Por: Josaine Airoldi
Estávamos conversando sobre frivolidades e saboreando um excelente vinho tinto, quando ela começou a falar sobre uma prima distante.
Ela era extremamente competitiva e, às vezes, chegava a ser chata.
Sempre quis ser a melhor em tudo.
Não suportava aquilo que não conseguia compreender ou desvendar.
As brincadeiras tinham que ser as que conhecia.
Para mim ela fazia parte de outra realidade e era para ser prazerosa nossa convivência e não uma eterna competição e chateação.
Tudo tinha que ser do seu jeito, senão não participava das brincadeiras. Como morávamos longe e nos víamos em certos momentos a suportava.
Quando não conseguíamos ou não gostávamos do que propunha logo nos desinteressamos, mas para ela era questão de honra e como contava com o apoio da irmã continuava com a brincadeira como se nada tivesse acontecido.
Eu me dava melhor com uma das irmãs dela com a qual sempre convivi tranquilamente.
Quando não estava com ela gostava de jogar futebol com meu pai e os três primos.
Era o momento em que demonstravam que a personalidade do pai não tinha determinado totalmente a deles.
Eram iguais aos demais meninos que eu conhecia.
Era a que mais recebia atenção do meu pai que acho que a acolhia e a todos os sobrinhos por sentir o quanto o irmão era seco com os filhos.
Sempre que a visitávamos, meu pai fazia questão de parar num mercadinho próximo a casa deles e comprar balas para os sobrinhos e escolher o melhor e mais bonito pão d’água de quarto quilo (expressão bastante comum na época) para presenteá-la.
Ela recebia aquele embrulho com os olhos brilhando e agradecidos.
Aquele pão representava o afago que seu pai nunca lhe dava ou nunca lhe deu, apesar de ser a filha caçula e ser a preferida dos seis filhos.
Eram bons aqueles momentos na casa dos tios.
O almoço ou o jantar, apesar da austeridade imposta pelo meu tio, era uma ocasião especial por causa do sabor dos pratos que degustávamos: a galinha caipira com bastante molho, a polenta que só a minha tia sabia fazer, a massa caseira, café fumegante, o pão caseiro. Tudo preparado no fogão à lenha.
Ganhávamos “ovos” que nós, eu e minha irmã comíamos rapidamente sem se preocupar com a película que os envolviam, enquanto elas tentavam retirá-los.
Ela sempre implicava com a minha irmã apesar de não ter noção de que sentimento era aquele que exalava por seus poros, sabia que a fixação para que a minha irmã tivesse resultados ruins na escola era exagerada.
Hoje sei o nome disso: inveja.
Era inveja do amor e carinho que tínhamos do meu pai.
Era inveja da maneira como seus irmãos a tratavam: como uma bonequinha.
Era inveja de um amor que nunca recebeu.
Certa vez quase enlouqueceu quando não conseguia decifrar o código que tínhamos para descobrir qual era a palavra combinada numa brincadeira banal de adolescentes.
Nos fez repeti-la várias vezes.
Ah! Como me diverti vendo sua expressão de angústia e nos acusando de não revelar que havia descoberto o segredo apesar de já ter adivinhado.
A brincadeira para mim era quase uma revanche, por todas aquelas brincadeiras tolas que realizei para agradá-la ou para não desagradá-la durante anos.
O vinho acaba, mas continuamos a conversa, afinal as recordações boas ou ruins, não.
16/10/2.010