Por: Josaine Airoldi
Elas fediam a xixi.
A casa inteira fedia a xixi.
Mesmo após o banho fediam a xixi.
Com o tempo Marlene ficou cada vez mais presente na minha casa.
Foi para ela que minha avó pediu ajuda para cuidar dos animais que criava.
Foi para ela que meu pai contou como descobriu que a minha mãe estava grávida.
Sinceramente eu não tenho nada contra a Marlene, principalmente porque ela não fedia a xixi e me considerava inteligente.
A minha rixa era com suas filhas que por mais que apanhassem não ficavam meninas educadas e sem cheiro de xixi.
De repente, aquela cena vem a minha mente agora:
Uma delas ocupando um espaço que era meu – o meu balanço.
Não tinha o direito de usá-lo.
Qualquer outra criança eu não me importava; porém ela ou a irmã dela eu não suportava que o usassem.
Tinha que agir logo e agi:
– Olha lá a tua mãe está chegando!
Ela correu para o portão, libertando-o de imediato.
Eu ganhei!
A vitória logo perdeu o sentido.
Ela ficou estagnada no portão.
Era muito burra para compreender que eu havia a enganado.
Eu sempre tive um senso absurdo de responsabilidade sobre tudo e sobre todos.
Receava que aquela guria fosse atropelada caso não saísse daquele portão.
– É mentira a tua mãe não veio ainda! – Gritei.
– Sai dai! – Supliquei.
– Vem brincar no meu balanço! – Apelei.
A raiva ia aumentando enquanto eu me aproximava mais e mais do portão.
Depois de quase quarenta minutos o ônibus para e finalmente elas aparecem.
Ela saiu disparadamente em direção à parada.
Respiro de certa forma aliviada.
Agora a responsabilidade não é mais minha.
Eram duas quando nos conhecemos.
Não tive nenhuma simpatia por elas.
Piorou quando a família aumentou e nasceu o irmão.
Eram três para eu cuidar quando a minha mãe resolvia fazer compras em Osório na companhia da mãe deles.
Numa tarde enquanto estou tentando acalmá-lo, sinto algo metálico nas minhas pernas.
Por ciúme do irmão, a bárbara mais nova me atacou com o resto do que um dia foi um guarda-chuva.
Fiquei ajoelhada segurando o menino chorando com toda a força que eu tinha para não deixá-lo cair até que alguém viesse em nosso socorro.
Eu descobri, mais tarde, o quanto poderia ser ainda mais cruel.
Naquele momento não queria acreditar que eles estavam mortos, que eles haviam sido estrangulados e enterrados por pura maldade e inveja.
Eles eram os meus pintinhos carijós.
Ninguém tinha direito de tirá-los de mim.
Não havia cascudo que aliviasse a minha dor.
Era bastante comum Marlene enviar a mão embaixo daqueles cabelos sebosos que suas queridas e fedorentas filhas tinham e lhes aplicar uma punição.
Certa vez me vinguei delas.
Estávamos em pleno inverno.
As ruas não eram asfaltadas como até hoje não são e por isso alagam facilmente, então a Prefeitura jogava várias camadas de areia e enquanto a “patrola” não vinha para espalhá-la nós nos divertíamos naqueles imensos morros de areia.
O meu primo Almenir, que gostava de me defender – gosto de pensar assim – aprontou com a nossa ajuda – minha e da minha irmã, uma vingancinha saborosa.
– Todos tem que se enterrar na areia. Essa é a brincadeira. Anunciou, imponente de cima da areia.
Imediatamente ficou definido por nós que as pessoas a terem o privilégio de iniciar a brincadeira eram elas.
Nós teríamos o trabalho de auxiliá-las nessa empreitada.
O que fizemos com muito prazer.
Vê-las soterradas na areia sem poder se mover e sendo atacadas por formigas foi muito divertido.
Quase aliviou toda a mágoa e raiva que eu sentia por elas.
É claro que nós não nos enterramos.
Certa vez ao me dirigir para o caixa do supermercado percebi que talvez fosse a Clarice a operadora.
Pensei em mudar de atendente, mas se fosse realmente ela perceberia a minha atitude.
Tinha que ter certeza, por isso imediatamente olhei para o crachá e enfrentei a situação.
Ela poderia não me reconhecer.
– Não se lembra de mim?
– Claro! – Apesar de estar bem diferente.
– Depois de três filhos a gente muda bastante.
Sorri sem graça tentando disfarçar a inveja que senti daquela criatura.
Ser mãe era o que eu mais desejava e não estava obtendo muito sucesso.
Não tive coragem para perguntar a respeito de Marlene, apesar de ser o único interesse que eu tinha em conversar com ela, uma vez que era inevitável.
23/11/2.010
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